Conteúdo
- Repercussões na midia sobre a decisão do Programa FX-2.
- Além dos caças. Merval Pereira. O Globo.
- Brasil e França depois do FX-2. José Maurício Bustani. O Estado de São Paulo.
- Salto no ar. Igor Gielow. Folha de São Paulo
- Os caças suecos e a lógica do supermercado. Oliveiros Ferreira. O Estado de São Paulo.
- Entrevista do professor Eduardo Brick à Voz da Rússia
- A real importância da escolha do Grippen-NG. Eduardo Siqueira Brick. Monitor Mercantil
- DefesaNet/O Globo - Hangout aquisição dos Caças da FAB
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A real importância da escolha do Grippen-NG
Eduardo Siqueira Brick
Monitor Mercantil, 23/01/2014 – 17:11:22
Os jornais do dia 19/12/2013 publicaram inúmeras matérias sobre a decisão do governo brasileiro, optando pela alternativa sueca para o programa FX-2, surpreendendo a muitos, não só pela escolha, como também pelo momento em que foi feita. As matérias abordaram aspectos técnicos, operacionais, ou financeiros, mas muitas questões mais importantes e abrangentes não foram sequer mencionadas.
Em primeiro lugar é preciso ressaltar que, por mais paradoxal que essa afirmativa possa parecer, essas aeronaves não serão fundamentais para a defesa do Brasil nos próximos 20 anos. Isso é devido não só à baixa probabilidade de ocorrência de conflitos, mas, também, pela enorme assimetria da capacidade militar do Brasil em relação a possíveis oponentes.
Evidentemente, elas serão importantes para qualificação e treinamento de pilotos, desenvolvimento de táticas e doutrinas, entre outras coisas que são fundamentais para a manutenção de uma Força Armada. Assim, o acerto dessa decisão só poderá ser avaliado em função do papel que desempenhar na construção da defesa daqui a mais de 30 anos, quando essas aeronaves já estiverem sendo aposentadas.
Essa opção só terá real utilidade para a defesa se fizer parte de um processo de capacitação industrial e tecnológica em longo prazo, nos moldes do que foi feito com os programas das aeronaves Bandeirante, Xavante, Tucano e AMX.
Esses produtos também não foram decisivos para a defesa do Brasil nas últimas três décadas (jamais foram utilizados em combate). Sua importância decorreu da capacitação industrial que a Embraer adquiriu com o seu desenvolvimento e fabricação. Essa capacitação é que tem valor para a defesa do futuro. O projeto FX-2 pode ser um passo a mais nessa evolução.
Este é o ponto fundamental que parece não ter sido ainda bem percebido. A defesa nacional na era pós-industrial depende de dois instrumentos fundamentais: as Forças Armadas (FFAA) e, cada vez mais, em função da aceleração do desenvolvimento tecnológico, a Base Logística de Defesa (BLD).
Esta pode ser definida como o agregado de capacitações, tecnológicas, materiais e humanas, necessárias para desenvolver e sustentar a expressão militar do poder, mas também profundamente envolvidas no desenvolvimento da capacidade e competitividade industrial do país como um todo.
A BLD possui nove componentes, que apresentam aspectos distintos, mas que interagem com grande intensidade (não é possível gerenciá-los de forma isolada):
a) a infra-estrutura industrial da defesa: empresas e organizações envolvidas no desenvolvimento e fabricação de produtos de defesa;
b) a infra-estrutura científico-tecnológica da defesa: universidades, centros de pesquisa e empresas envolvidos na criação de conhecimentos científicos e tecnologias com aplicação em produtos de defesa;
c) a infra-estrutura de inteligência da defesa: instituições e pessoas envolvidas na coleta e análise de informações existentes no exterior sobre conhecimentos científicos e inovações tecnológicas com aplicação no desenvolvimento de produtos de defesa e em prospecção tecnológica com impacto em defesa;
d) a infra-estrutura de financiamento da defesa: instituições e recursos financeiros dedicados ao financiamento de pesquisa científica e tecnológica e ao desenvolvimento de produtos com aplicação em defesa e ao financiamento de vendas externas de produtos de defesa;
e) a infra-estrutura voltada para o planejamento da mobilização e os recursos nacionais mobilizáveis para fins de defesa;
f) a infra-estrutura de apoio logístico destinada a garantir o aprestamento dos meios de defesa durante todo o seu ciclo de vida útil;
g) a infra-estrutura de comercialização de produtos de defesa, que tem como finalidade promover e apoiar as exportações desses produtos para finalidades econômicas e politicas;
h) A infra-estrutura de gestão da aquisição, inovação e desenvolvimento de sistemas e produtos de defesa e da própria sustentação da BLD;
i) o arcabouço regulatório e legal da BLD, que ordena a BLD e dá ao Estado a possibilidade de empreender ações para a sua sustentação e desenvolvimento.
Ao contrário do que muitos pensam, a manutenção de uma indústria de defesa não se justifica por razões econômicas. A BLD é um instrumento da defesa tão ou mais importante do que as próprias Forças Armadas. A justificativa para a sua existência é a mesma dada para a manutenção das FFAA. Ambas decorrem de uma necessidade estratégica.
Do ponto de vista de desenvolvimento econômico e social, a BLD, apesar de sua finalidade precípua não ser essa (isso tem que ser sempre ressaltado!!), também é instrumento importantíssimo de política industrial, por vários motivos:
a) atua no limiar do desenvolvimento tecnológico;
b) políticas industriais de conteúdo nacional para defesa são necessárias por questões de garantia de suprimento de itens críticos (que são cerceados pelos países que detêm essas tecnologias) e não oneram a economia como um todo, como no caso das políticas pretéritas de informática e recente de conteúdo nacional para a indústria de petróleo, porque todo o custo é bem definido e está encapsulado no orçamento de defesa.
c) a capacitação industrial construída tem uso dual (vide exemplo da Embraer que, após décadas procurando se capacitar com produtos de uso militar, conseguiu desenvolver jatos comerciais e ser importante ator no mercado internacional de produtos civis). Esse pode ser um dos principais benefícios da escolha do Gripen – a ampliação da capacitação industrial e tecnológica, não só da Embraer, mas de muitas empresas de sua cadeia produtiva, em produtos cuja tecnologia o Brasil ainda não domina.
No Brasil existe um desequilíbrio histórico entre a consolidação e sustentação das FFAA e da BLD, com claro prejuízo desta. A Estratégia Nacional de Defesa define, muito apropriadamente, que a construção e sustentação de uma indústria de defesa adequada às necessidades brasileiras é um dos seus eixos fundamentais. Vamos, portanto, esperar que essa decisão represente um ponto de inflexão nessa postura.
Finalmente, No dia 29/01/2014 O Portal DEFESANET em parceria com o jornal O Globo, promoveu debate pela internet com a participação do Major-Brigadeiro do Ar Carlos Baptista Jr e do Brigadeiro-do-Ar José Augusto Crepaldi Affonso, para discutir os critérios da FAB que motivaram a decisão e os próximos passos do Programa FX-2.