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Quem deve controlar o Ministério da Defesa?

Qual deve ser o papel de civis e militares no  Ministério da Defesa?

Eduardo Siqueira Brick

Universidade Federal Fluminenses

Durante o seminário “O Brasil no Mundo: Deveres e Responsabilidades” realizado no dia 02/12/14 e promovido em conjunto pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, pelo Instituto InfoRel e pela Fundação Konrad Adenauer, duas intervenções chamaram a atenção e uma delas causou alguma polêmica.

O presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), Alexandre Fucsile, declarou que “uma elite civil deveria controlar o Ministério da Defesa”.

Essa afirmação provocou uma resposta indignada do General Maynard (Militarizar o Ministério da Defesa?) que se ateve a uma discussão sobre a questão da proeminência entre civis versus militares, no que se refere à defesa.
De certa forma pode-se dizer que ambos (Fucsile e o Genaral Maynard) estão certos e errados ao mesmo tempo.
Certos quando se referem à importância que civis e militares têm para a defesa.
Errados quando discutem a questão sem definir o seu contexto, que depende do papel que o Ministério da Defesa deve desempenhar e, a partir dessa definição, qual o papel de civis e militares nesse contexto.
A general Maynard apresentou sua defesa da importância do papel dos militares no Ministério da Defesa, mas o presidente da ABED não explicou o que ele entende como elite, qual deve ser o seu papel na defesa (o que significa controlar o MD?), nem qual o tipo de formação e/ou qualificação que essa “elite” tem que ter para se habilitar a exercer qualquer papel na defesa.
Como associado da ABED, e docente de dois programas de pós-graduação com linhas de pesquisa sobre defesa (um na Engenharia de Produção e outro na Ciência Política), eu mesmo tenho questionado o tipo de formação que vem sendo dada aos jovens que se interessam por defesa e solicitei ao atual Presidente da ABED, na mesma semana de sua posse, que esse assunto fosse discutido no âmbito da Associação. Infelizmente, apesar da promessa,  até hoje essa discussão não ocorreu e, portanto, tenho que considerar que o Presidente da ABED falou apenas em seu nome pessoal e não no nome dos associados  como um todo, pois não existe consenso na ABED sobre qual deve ser o papel de civis em assuntos de defesa, até porque esse asssunto nunca foi discutido seriamente no âmbito da Associação.

A outra manifestação, que aparentemente passou desapercebida, foi a de Salvador Raza, pesquisador conhecido sobre assuntos de defesa, ex-oficial da Marinha e Doutor em Engenharia de Produção, pela UFRJ, em programa voltado para estudos de defesa. Sua tese de doutorado, sobre projeto de força, pode ser encontrada na Biblioteca do Portal do UFFDEFESA para quem desejar consultar. Trata-se, portanto, de alguém qualificado para tratar dos aspectos substantivos da defesa a saber, Logística de Defesa e Projeto de Força.

A manifestação de Raza consta de matéria produzida por Leandro Cipriano para o Portal da Agência Gestão CT&I e é reproduzida abaixo (Grifos meus).

Tecnologia de gestão é um dos maiores problemas da Defesa brasileira
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TER, 02 DE DEZEMBRO DE 2014 19:14 ESCRITO POR LEANDRO CIPRIANO
Apesar de deter mecanismos inovadores capazes de cumprir a função de defender o território nacional, as Forças Armadas enfrentam atualmente um sério problema: a tecnologia de gestão. Hoje, o País não consegue controlar de forma eficiente desde a análise de contratos até o custo benefício de seus equipamentos. A situação foi apontada por especialistas como prejudicial aos cofres públicos, uma vez que torna os processos mais lentos e caros.

Por incrível que possa parecer, o problema mais sério é a capacidade de se fazer uma gestão de sistemas mais complexos. O Estado perde, porque compra mal e mais caro“, afirmou Salvador Raza, diretor do Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança (CeTRIS), durante um seminário realizado nesta terça-feira (2) na Câmara dos Deputados.
De acordo com Raza, vários países já trabalham com sistemas integrados de gestão de alto nível. Contudo, no Brasil, são utilizados modelos herdados dos Estados Unidos dos anos 1960. “Estamos atrasados 50 anos. Administrar caças, submarinos e satélites com um sistema de gestão desse é altamente ineficiente. Agora, mudar isso não se faz por decreto, se faz com um processo lento. É mudar a própria lógica de formação do ministério, para que possa executar projetos mais sofisticados”.

Outro ponto que dificulta qualquer renovação tecnológica na Defesa, na avaliação do diretor, é a própria desunião entre as três corporações: Exército, Marinha e Aeronática. “Fica tudo mais difícil quando as Forças Armadas não apresentam uma sinergia e integração necessária dentro de um modelo de concepção estratégica” apontou.

Salvador Raza apresentou suas observações no seminário “O Brasil no mundo: deveres e responsabilidades”, para debater as reais condições das Forças Armadas de se modernizar, e com isso, reduzir as fragilidades na Defesa do País.

(Leandro Cipriano, da Agência Gestão CT&I)”

E o que diz Raza?

Em resumo, que o rei está nu.

A Logística de Defesa, exige instituições adequadas (ainda não existentes no Brasil) e um corpo de profissionais altamente qualificados para exercer essas funções.

E qual o tipo de qualificação necessária a esses profissionais?

Uma pista nos é dada por uma frase atribuida ao general americano Bradley que diz que “estratégia e assunto de amadores e logística de profissionais”. Evidentemente essa frase não deve ser tomada ao pé da letra, pois não visa a desmerecer a importância de estrategistas. Ela apenas nos lembra que estratégia não se aprende em escolas, exige experiência e formação diversificada e interdisciplinar e, mais do que isso, é um dom pessoal. 
Ao contrário, “provimento de meios para compor as Forças Armadas e sustentar suas operações em quaisquer situações em que elas tenham que ser empregadas”, que é a definição de Logística de Defesa, exige o concurso de profissionais altamente qualificados (em termos de formação e experiência).
Para constatar isso basta olhar para a realidade dos países que possuem Forças Armadas e Base Logística de Defesa fortes. A Acquisition Work Force (AWF) nos EUA conta com mais de 150.000 profissionais para exercer essas funções (mais de 90% deles são civis, com formação principalmente nas engenharias e profissões de gestão). Na França são mais de 10.000, concentrados na DGA, um órgão do MD independente das Forças Armadas e no Reino Unido perto de 20.000, com o mesmo tipo de formação.
Esse asunto foi abordado em outro artigo disponível neste portal: A Quarta Força, uma decorrência da END? 

E qual é a formação que se está dando hoje no Brasil para formar os  civis que pretensamente irão “controlar” o MD no futuro?
Resposta: Ciência Política e Relações Internacionais. Ou seja, nada que se pareça com a prática internacional e com as principais necessidades da defesa, como muito bem ressaltado por Raza.

Recente edital Almte. Alvaro Alberto, promovido conjuntamente pelo MD e pelo CNPq (Chamada CNPq/Pandiá – Programa Álvaro Alberto de Indução à Pesquisa em Segurança Internacional e Defesa Nacional N º 29/2014), para incentivar os estudos de defesa, limitou o acesso ao financiamento disponível a programas de pós-graduação das áreas de ciências humanas e sociais aplicadas.

Muito adequadamente a Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO), que congrega engenheiros que têm formação e experiência justamente naquilo que o MD mais necessita (gestão de sistemas complexos) apresentou uma impugnação muito bem fundamentada para que o edital também fosse aberto à Engenharia de Produção e que deve ser lida por todos os que se interessam por um debate mais profundo sobre essa questão. A resposta do CNPq foi evasiva, afirmando apenas que as áreas contempladas também tratam de gestão, o que é meia verdade e não toca no que é fundamental, que é o reconhecimento do papel central que os engenheiros têm na gestão da aquisição e no desenvolvimento de sistemas complexos de defesa. No mínimo as condições do edital geraram dúvidas nos possíveis proponentes o que resultou na impugnação feita pela ABEPRO.

Outro problema mencionado por Raza é o institucional. Ele apontou corretamente que as Forças Armadas atuam isoladamente em relação à Logística de Defesa, mas não mencionou que outros ministérios civis, também têm ingerância muito forte sobre esse assunto (MDIC, MCTI e até o MRE).

Ou seja, não existe um responsável único pela Logística de Defesa e isso é um sério problema institucional, pois existem muitas “autoridades”, mas ninguém com responsabilidade e imputabilidade pelo resultado final (prover os meios para as Forças e sustentar e desenvolver a Base Logística de Defesa).

A criação da Comissão Mista da Industria de Defesa (CMID) apenas ameniza mas não resolve esse problema que também é de gestão.

Tal estrutura é completamente disfuncional e insustentável em face dos desafios colocados pela END.

Temos ai um nó górdio que deverá ser cortado já que, por definição, esse tipo de nó não pode ser desatado…

Em 15/12/2014 o Presidente da ABED divulgou nota pública negando que tivesse se expressado nos termos do artigo elaborado pelo General Maynard.

Nessa nota o Presidente da ABED confirma ter sempre defendido “o controle civil democrático sobre os militares, a exemplo do que acontece nas democracias mais consolidadas”.

Entretanto não explica a que tipo de controle se refere nem menciona a necessidade de existirem, em grandes quantidades, civis com competência para assumir responsabilidades em relação à logística de defesa, como também ocorre em todos os países  que possuem capacidade de defesa relevante e qual o tipo de formação e qualificação profissional que esses civis deveriam ter.

Essa é a questão que precisa ser discutida no âmbito da ABED com já foi  sugerido ao seu presidente.

Editor-Chefe: Prof. Eduardo Siqueira Brick
Portal do UFFDEFESA. 

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