Conteúdo
- Repercussões na midia sobre a decisão do Programa FX-2.
- Além dos caças. Merval Pereira. O Globo.
- Brasil e França depois do FX-2. José Maurício Bustani. O Estado de São Paulo.
- Salto no ar. Igor Gielow. Folha de São Paulo
- Os caças suecos e a lógica do supermercado. Oliveiros Ferreira. O Estado de São Paulo.
- Entrevista do professor Eduardo Brick à Voz da Rússia
- A real importância da escolha do Grippen-NG. Eduardo Siqueira Brick. Monitor Mercantil
- DefesaNet/O Globo - Hangout aquisição dos Caças da FAB
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A decisão brasileira pela escolha do caça Gripen NG para o programa FX-2 mereceu razoável atenção da grande mídia brasileira. Embora a maioria das matérias tenha se limitado a tratar de aspectos técnicos, ou considerações sobre o que se passou nos bastidores, alguns articulistas apresentaram análises mais abrangentes, tocando em questões importantes, mas que ainda não despertaram o interesse de um público maior.
Anteriormente, em 15/06/2010, o professor Eduardo Brick da UFF já havia escrito um artigo, O programa FX-2 e a autonomia tecnológica industrial, publicado pelo Monitor Mercantil, onde descrevia e analisava os critérios que deveriam ser utilizados como base para a decisão brasileira. Este artigo permaneceu muito atual tendo em vista a decisão que acabou sendo tomada.
No dia 23/12/2013, logo após o anúncio da decisão brasileira, o professor Eduardo Brick publicou novo artigo neste portal, A escolha do Grippen NG para o Programa FX-2: impactos para a defesa, analisando os possíveis impactos para a defesa decorrentes dessa decisão.
Este artigo mereceu matéria na coluna de O Globo do jornalista Merval Pereira no dia 28/12/2013.
Além dos caças
MERVAL PEREIRA
O Globo, 28.12.2013 10h03m
Eduardo Brick, especialista do Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial da Universidade Federal Fluminense, em vez de comemorar ou criticar a compra dos novos caças Grippen suecos pela Aeronáutica, prefere uma visão pragmática e de longo prazo. Por mais paradoxal que a afirmação possa parecer, diz ele, essa decisão não será importante para a defesa do Brasil nos próximos 20 anos, mas, sim, para daqui a 30 a 50 anos.
Nesse raciocínio, o país simplesmente não tem no momento recursos humanos, tecnológicos, industriais e financeiros para se opor a eventuais ameaças. Mas pode aproveitar a oportunidade para desenvolver sua Base Logística de Defesa (BLD). Esse, diz ele, pode ser um dos principais benefícios da escolha do Grippen – a ampliação da capacitação industrial e tecnológica, não só da Embraer, mas de muitas empresas de sua cadeia produtiva, em produtos cuja tecnologia o Brasil ainda não domina.
Portanto, Eduardo Brick acha que o planejamento de hoje deve visar, prioritariamente, um horizonte mais longínquo, não importando se o Grippen não é uma das mais eficazes armas existentes hoje. “O que importa é que essa aquisição pode ser um importante instrumento para o Brasil se capacitar para conceber e desenvolver aeronaves de combate amanhã”.
Do ponto de vista de desenvolvimento econômico e social, a BLD, apesar de sua finalidade precípua não ser essa, ressalta Brick, é instrumento importantíssimo de política industrial, por vários motivos:
a) Atua no limiar do desenvolvimento tecnológico;
b) Políticas industriais de conteúdo nacional para defesa são necessárias por questões de garantia de suprimento de itens críticos (que são cerceados pelos países que detêm essas tecnologias) e não oneram a economia como um todo.
c) A capacitação industrial construída têm uso dual. Ele cita o exemplo da Embraer que, após décadas procurando se capacitar com produtos de uso militar, conseguiu desenvolver jatos comerciais e ser importante ator no mercado internacional de produtos civis.
Para o especialista da Universidade Federal Fluminense, a defesa nacional na era pós-industrial depende de dois instrumentos fundamentais: as Forças Armadas (FFAA) e a Base Logística de Defesa (BLD). A construção de qualquer uma delas é uma tarefa de décadas, mas a criação da BLD pode ser mais difícil devido à aceleração do desenvolvimento tecnológico, que causa obsolescência rápida de qualquer produto de defesa.
Portanto, diz Brick, não é sensato, nem financeiramente exequível, manter grandes estoques de produtos de defesa, exceto, evidentemente, se houver iminência de conflito, mas, sim, de capacidade industrial para inovar continuamente.
A Estratégia Nacional de Defesa define, muito apropriadamente diz ele, que a construção e sustentação de uma BLD adequada às necessidades brasileiras é um dos seus eixos fundamentais. Não se pode esquecer, ressalta Eduardo Brick, que o FX é apenas um projeto de cerca de 11 bilhões de reais, em um programa de 1 trilhão de reais, valor estimado para o Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa (PAED), em 20 anos.
Na sua avaliação, com a atual estrutura de governança da BLD brasileira, o país corre um sério o risco de sofrer um “apagão de gestão” se o orçamento aumentar e o PAED realmente deslanchar.Há nada menos que seis ministérios envolvidos, “numa estrutura caótica”.
No caso de recursos humanos, a necessidade monta a vários milhares de profissionais, principalmente engenheiros, altamente qualificados e experientes em definição de requisitos e especificações, teste e avaliação de sistemas, gestão de projetos complexos, negociação de contratos, entre outras coisas.
Anteriormente, no dia 23/12/2013, O Embaixador do Brasil na França, José Maurício Bustani, já havia escrito artigo publicado pelo Estado de São Paulo, procurando analisar a importância da França como parceiro estratégico para os anseios brasileiros de um maior desenvolvimento tecnológico e industrial. Essa parceria, como assinala o embaixador Bustani, vai muito além da questão dos caças do Programa FX-2.
Brasil e França depois do FX2
José Maurício Bustani, Embaixador do Brasil na França
O Estado de São paulo, 23 de dezembro de 2013
A escolha soberana, pelo Brasil, do caça sueco Gripen, no contexto do processo FX2, poderá ter feito com que muita gente não perceba os benefícios, para o Brasil, das nossas parcerias com a França, tão evidentes durante a visita de Estado do presidente François Hollande, que esteve em Brasília e em São Paulo nos dias 12 e 13 de dezembro.
Desde 2006, quando a Parceria Estratégica Brasil-França foi lançada, acumulamos realizações. No ano de 2013, inauguramos o Estaleiro Naval de Itaguaí, onde o Brasil está construindo, em parceria entre a Marinha, a Odebrecht e a empresa francesa DCNS, quatro submarinos convencionais e um a propulsão nuclear. Trata-se do maior projeto de capacitação industrial e tecnológica da história da indústria de defesa brasileira.
“O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (ProSub) garante a transferência de tecnologia e a nacionalização de processos produtivos, o que coincide com a essência da nossa estratégia nacional de defesa”, conforme frisou a presidenta Dilma Rousseff em sua entrevista coletiva com o presidente Hollande.
O ano também foi marcado pelo bem-sucedido voo de teste, dois meses antes do prazo previsto, do primeiro helicóptero Super-Cougar (EC725) totalmente produzido na fábrica da Helibras, em Itajubá, no âmbito do programa H-XBR. Em torno da Helibras, com transferência de tecnologia da Airbus-Eurocopter, consolida-se o segundo polo aeronáutico do Brasil, além do de São José dos Campos.
No encontro mais recente entre os dois presidentes, foram lançados novos programas conjuntos. Entre os dez atos assinados no Palácio do Planalto, destacam-se os acordos nos campos de supercomputação, espaço, energia nuclear, indústria naval e formação de pessoal.
O programa que gera perspectivas mais positivas para a capacitação tecnológica brasileira talvez seja o de área de computação de alto desempenho. Prevê-se parceria entre o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), a Coppe e a empresa francesa Bull para a montagem e operação de um supercomputador e de dois centros de pesquisa, transferindo para o Brasil tecnologia hoje restrita a um punhado de países. Universidades, empresas nacionais e centros de pesquisa terão acesso direto a essa capacidade, logrando rodar programas e simulações antes inacessíveis.
A empresa brasileira Visiona, empreendimento conjunto da Embraer e da Telebras, assinou contrato com a empresa francesa Thales, para o fornecimento do primeiro satélite geoestacionário de defesa e comunicação (SGDC) do Brasil, de uso civil e militar. Com isso, o Brasil garante a segurança das suas comunicações estratégicas, antes terceirizadas para satélites operados por grupo estrangeiro. É apenas o primeiro passo para a instalação no Brasil, em parceria com a França, da capacidade de construir satélites de telecomunicações os mais sofisticados, e para novos projetos na indústria espacial.
A Eletrobrás também celebrou com a empresa francesa Areva, sucessora da alemã Siemens no domínio da energia nuclear, contrato para o término da Usina de Angra III, de 1,25 megawatts.
A Odebrecht e a DCNS assinaram memorando para instalar no Brasil uma empresa estratégica de defesa, com controle brasileiro, para construir e reparar navios de superfície, aprofundando a parceria naval iniciada com o ProSub.
O aprofundamento da cooperação do Ministério da Educação com seus contrapartes franceses, no âmbito dos programas Ciência sem Fronteiras, Licenciatura sem Fronteiras e Francês sem Fronteiras, garante que a França continuará a ser o principal parceiro do Brasil na formação de engenheiros, cientistas, matemáticos e, mais recentemente, professores do ensino médio e profissional.
Já há mais de 500 empresas francesas estabelecidas no Brasil, inclusive as construtoras de automóveis PSA e Renault (que está inaugurando nova fábrica em Resende); a Total e a Technip, parceiras da Petrobrás no desenvolvimento das reservas do pré-sal; e o gigante da distribuição Casino, que depois da aquisição do Grupo Pão de Açúcar se tornou o maior empregador do Brasil. Para que novas empresas brasileiras, sobretudo pequenas e médias, tenham a oportunidade de negociar novas parcerias com suas contrapartes francesas, lançamos o Fórum Econômico Brasil-França.
A conjugação do dinamismo do Brasil com a tecnologia da França beneficia os dois países e acelera o desenvolvimento brasileiro. O objetivo brasileiro não é meramente comprar, mas aperfeiçoar a capacidade de construir e inovar. O objetivo francês não é meramente vender, mas celebrar parcerias que aumentem a escala de sua indústria e permitam que ela se mantenha na vanguarda mundial. No século 21, o Brasil está superando o atraso acumulado das nossas indústrias e instituições de pesquisa, dando verdadeiros saltos tecnológicos. Entre os países que estão na vanguarda científica, é com a França que mantemos a parceria mais diversificada e mais profunda.
É normal que a França, justamente orgulhosa do seu “savoir-faire”, fique decepcionada com o resultado do FX2, que optou não pelo avião mais sofisticado, mas pelo mais adequado de acordo com os parâmetros decididos pelo governo brasileiro. Para que tenhamos uma ideia de como os franceses se sentem, podemos lembrar como nós, brasileiros, nos sentimos na final da Copa de 1998. Assim como o Brasil não ganha todas as Copas, a França não ganha todas as concorrências internacionais.
Mas outras competições virão, e a amizade tradicional e a complementaridade natural entre Brasil e França trarão novas conquistas para os dois países.
A Folha de São Paulo publicou matéria de Igor Gielow, no dia 04/01/2014, abordando consequências da decisão brasileira, considerando a relação da mesma com interesses americanos (BOEING).
Salto no ar
Igor Gielow
Folha de São Paulo, 04/01/2014
BRASÍLIA – Ao ser derrotada na escolha dos novos caças da FAB, a BOEING chamou a atenção pelo tom conciliador do seu comunicado.
Lamentou, mas evitou criticar, como fez a francesa Dassault, a escolha do sueco SAAB Gripen no lugar de seu F/A-18. E sugeriu mais operações no Brasil, onde é parceira da EMBRAER.
Consultada, a BOEING diz que manterá o acordo para ajudar a vender o promissor cargueiro militar KC-390 da EMBRAER no exterior. Mas não é só.
Em 6 de dezembro passado, 12 dias antes do anúncio da licitação dos caças, a BOEING e a mesma SAAB que a derrotou no Brasil associaram-se para disputar um bilionário programa de aviões de treinamento para a Força Aérea dos EUA.
É negócio de gente grande, para produzir por baixo 350 aviões na próxima década. E qual foi uma das primeiras empresas consultadas para participar do projeto a ser apresentado? A EMBRAER, diz a BOEING.
Como já será o palco principal da integração dos sistemas do Gripen no Brasil, a EMBRAER também poderá ficar no centro de um dos principais programas militares do mundo.
Você pode perguntar se não é estranho a BOEING e a SAAB serem aliadas, e certamente haverá francês especulando sobre o resultado da compra da FAB. Quantas vezes não ouvi que “os EUA preferem ver a vitória de um avião sueco com partes americanas do que a de um francês”.
Pode ser, mas mesmo o Gripen deverá ter um radar francês, feito por uma das vendedoras do derrotado Rafale. É assim nesse mercado.(Nota DefesaNet – A primeira versão do Gripen NG era equipada com uma versão do Radar AESA da THALES, que equipa o Rafale, porém alterado por um da italiana SELEX).
Donna Hrinak, a influente representante da BOEING que virou o jogo em seu favor e só se viu derrotada pela caguetagem de Edward Snowden, sempre disse que os caças seriam “a cereja do bolo, mas não o bolo”.
De tempos em tempos, há a chance de a indústria dar um salto tecnológico. Os famosos jatos regionais da Embraer são filhos do programa ítalo-brasileiro do caça AMX. Algo semelhante pode estar à porta.
O Estado de São Paulo abordou o tema publicando artigo do professor Oliveiros Ferreira da USP e da PUC-SP, membro do Gabinete e Oficina de Livre Pensamento Estratégico. Site: www.oliveiros.com.br.
Os caças suecos e a lógica de supermercado
Oliveiros S. Ferreira
O Estado de S.Paulo, 14jan2014
A solução dada ao problema da compra dos novos caças para a FAB deve ser observada num horizonte mais amplo. Cabe ao Comando da Força Aérea perceber que já há quem aponte, discretamente, que o governo gastará bilhões com a compra de equipamento militar enquanto populações civis sofrem e morrem em inundações e secas que se repetem.
Procurando examinar a questão de perspectiva diferente da usual, o primeiro ponto para o qual desejo chamar a atenção é este: o tempo perdido na solução permite reafirmar que a “classe política” (tanto Executivo quanto Legislativo) não presta a mínima atenção aos problemas de Estado. Demorar tantos e tantos anos para decidir uma questão que afeta a defesa do território, das populações e do próprio Estado brasileiros apenas indica, quando não prova, que as questões de governo, às vezes as eleitorais, tiveram e ainda têm prioridade. Para não dizer que a política posta em prática nas últimas décadas – perdidas do ponto de vista estratégico – reforça a tese dos que veem principalmente na política militar dos governos do PT a clara intenção de deixar os problemas de defesa (consequentemente, os das Forças Armadas) em plano secundário.
Um estagiário em informática de uma empresa qualquer que não cuidasse de copiar os arquivos antes de substituir o sistema dos computadores seria sumariamente demitido, pela simples e boa razão de que teria posto em risco toda a documentação arquivada. Observe-se que a decisão sobre a compra dos caças se deu poucos dias antes que os Mirages da FAB realizassem seu último voo. O que permite que se faça um raciocínio simples, partindo de algumas premissas administrativas, nada mais.
Dando aos que procrastinaram o benefício da dúvida – não tiveram a intenção de deixar a FAB de asas… perdão, de mãos abanando -, o mínimo que podemos dizer é que decidiram como quem vai ao supermercado e colhe das prateleiras os produtos que faltam na despensa doméstica. Se não os encontra aqui, ou se estão caros, estarão à venda ali, mais baratos, e bastará cruzar a rua. Ou, na urgência, pedi-los emprestados ao vizinho.
Ao longo das duas décadas perdidas na defesa – é de notar que desde o governo Fernando Henrique há um ministério que legalmente (?) cuida de defender o Brasil – não foi considerada a situação que se criava com a compra, em 2005, de 12 Mirages defasados, desativados pela Armée de L’Air, e com o atraso nas decisões: quem garantiria a defesa do território, das populações, do Estado quando deixassem de voar? A solução foi de “dona de casa”. Decidida a compra dos aviões suecos, de repente, como que acordando de um pesadelo, vemos que os céus estarão vazios contra eventuais inimigos que podem chegar na velocidade Mach 2 pelo menos. Resta tapar o buraco!
É evidente – devem ter pensado – que os suecos não rejeitarão pedido de empréstimo ou aluguel. É de seu interesse emprestar ou alugar. Que assim seja. Por quanto tempo? Por um ou dois anos, até que cheguem os primeiros caças novos, com o título de propriedade em ordem. Farão isso antes que o contrato de compra esteja assinado? Com certeza, pois têm interesse econômico. Assim pensado, assim resolvido e comunicado à imprensa. Geladeira cheia!
Os leigos, acostumados a ir ao supermercado e também a trocar de automóvel quando possível e necessário, terão algumas perguntas a fazer. Os aviões emprestados ou alugados são da mesma geração técnica que os que serão comprados? Tudo indica que não: serão de uma geração anterior. Os pilotos da FAB, os famosos “jaguares”, têm treinamento para pilotá-los? Tudo indica que não! Quantas horas serão necessárias para que possam voar sem riscos desnecessários? Haverá, no Orçamento, previsão para isso? Ou se apelará a uma mágica orçamentária para que, com algumas horas, com certeza poucas, as minimamente necessárias, os pilotos possam voar? Por quantas semanas o espaço aéreo ficará indefeso?
Os que decidem com a lógica de supermercado aplicada à defesa nacional não se preocuparam com esses pormenores, que, por serem “pormenores”, não têm importância. Se não há previsão orçamentária para treinamento, fechem-se algumas bases, como foi noticiado há dias, e transfira-se a verba para outra rubrica. Se o TCU não permitir manobras contábeis do gênero, recorra-se ao Exército, que deve estar pouco satisfeito por ver que muitos pelotões de fronteira precisam esperar, às vezes, semanas para receber mantimentos e medicamentos porque os aviões da FAB para lá não voam por não terem pistas de pouso em condições.
Há outro elemento na lógica de supermercado: muitas vezes se compra para revender. Quando vamos ao supermercado, temos a certeza de que os fabricantes dos produtos ali vendidos têm o direito de vendê-los porque pagaram o devido pela tecnologia de fabricação, se dela não forem detentores legais. E o que se alardeia é que montaremos os aviões suecos no Brasil – haverá, com certeza, mercado para eles…
O comércio de armamentos é diferente do de comes e bebes: cada produto vem com a cláusula de “destinatário final”. A Embraer tem muito a ensinar a esse respeito: não pôde vender o Super Tucano à Venezuela porque o avião tem componentes norte-americanos. O governo dos EUA proibiu a venda…
Pelo que sabemos, o caça sueco tem componentes norte-americanos – donde se segue que a Suécia deverá obter o “nada obsta” para que o Brasil possa transferir a outros governos esses componentes. E se Washington disser “não!”?
Os norte-americanos são mais rudes que os franceses, sem dúvida, mas igualmente não gostam de ser passados para trás, ainda mais quando foi seu presidente quem amargou o cancelamento de uma visita de Estado durante a qual, diz-se, o Brasil compraria os F-18. Enfim…
No dia 15/01/2014, o jornalista Arnaldo Abraão Risemberg, da Voz da Rússia, entrevistou o autor do artigo postado no Portal do UFFDEFESA, professor Eduardo Brick, para abordar consequências da decisão brasileira.
Entrevista do professor Eduardo Brick do UFFDEFESA ao jornalista Arnaldo Abraão Risemberg da Voz da Rússia em 15/01/2014.
Entrevista confirma o interesse que a Rússia também está tendo em relação à possibilidade de participação no PAED e na reestruturação da BLD brasileira. Uma parceria Brasil-Rússia no desenvolvimento de mísseis superfície-ar de todos os tipos é uma real possibilidade em curto prazo, assim como no desenvolvimento futuro de aeronaves de alto desempenho.
A entrevista começa aos 37:10 minutos do programa, com duração de aproximadamente 20 minutos.
O programa se destina a divulgação em todos os países de língua portuguesa.
Basta clicar na barra horizontal de visualização da duração do programa (um pouco após a metade) até achar o ponto certo.
Complementando as análises feitas nos textos e entrevistas anteriores, o professor Eduardo Brick do UFFDEFESA escreveu artigo que foi publicado pelo Monitor Mercantil de 23/01/2014.
A real importância da escolha do Grippen-NG
Eduardo Siqueira Brick
Monitor Mercantil, 23/01/2014 – 17:11:22
Os jornais do dia 19/12/2013 publicaram inúmeras matérias sobre a decisão do governo brasileiro, optando pela alternativa sueca para o programa FX-2, surpreendendo a muitos, não só pela escolha, como também pelo momento em que foi feita. As matérias abordaram aspectos técnicos, operacionais, ou financeiros, mas muitas questões mais importantes e abrangentes não foram sequer mencionadas.
Em primeiro lugar é preciso ressaltar que, por mais paradoxal que essa afirmativa possa parecer, essas aeronaves não serão fundamentais para a defesa do Brasil nos próximos 20 anos. Isso é devido não só à baixa probabilidade de ocorrência de conflitos, mas, também, pela enorme assimetria da capacidade militar do Brasil em relação a possíveis oponentes.
Evidentemente, elas serão importantes para qualificação e treinamento de pilotos, desenvolvimento de táticas e doutrinas, entre outras coisas que são fundamentais para a manutenção de uma Força Armada. Assim, o acerto dessa decisão só poderá ser avaliado em função do papel que desempenhar na construção da defesa daqui a mais de 30 anos, quando essas aeronaves já estiverem sendo aposentadas.
Essa opção só terá real utilidade para a defesa se fizer parte de um processo de capacitação industrial e tecnológica em longo prazo, nos moldes do que foi feito com os programas das aeronaves Bandeirante, Xavante, Tucano e AMX.
Esses produtos também não foram decisivos para a defesa do Brasil nas últimas três décadas (jamais foram utilizados em combate). Sua importância decorreu da capacitação industrial que a Embraer adquiriu com o seu desenvolvimento e fabricação. Essa capacitação é que tem valor para a defesa do futuro. O projeto FX-2 pode ser um passo a mais nessa evolução.
Este é o ponto fundamental que parece não ter sido ainda bem percebido. A defesa nacional na era pós-industrial depende de dois instrumentos fundamentais: as Forças Armadas (FFAA) e, cada vez mais, em função da aceleração do desenvolvimento tecnológico, a Base Logística de Defesa (BLD).
Esta pode ser definida como o agregado de capacitações, tecnológicas, materiais e humanas, necessárias para desenvolver e sustentar a expressão militar do poder, mas também profundamente envolvidas no desenvolvimento da capacidade e competitividade industrial do país como um todo.
A BLD possui nove componentes, que apresentam aspectos distintos, mas que interagem com grande intensidade (não é possível gerenciá-los de forma isolada):
a) a infra-estrutura industrial da defesa: empresas e organizações envolvidas no desenvolvimento e fabricação de produtos de defesa;
b) a infra-estrutura científico-tecnológica da defesa: universidades, centros de pesquisa e empresas envolvidos na criação de conhecimentos científicos e tecnologias com aplicação em produtos de defesa;
c) a infra-estrutura de inteligência da defesa: instituições e pessoas envolvidas na coleta e análise de informações existentes no exterior sobre conhecimentos científicos e inovações tecnológicas com aplicação no desenvolvimento de produtos de defesa e em prospecção tecnológica com impacto em defesa;
d) a infra-estrutura de financiamento da defesa: instituições e recursos financeiros dedicados ao financiamento de pesquisa científica e tecnológica e ao desenvolvimento de produtos com aplicação em defesa e ao financiamento de vendas externas de produtos de defesa;
e) a infra-estrutura voltada para o planejamento da mobilização e os recursos nacionais mobilizáveis para fins de defesa;
f) a infra-estrutura de apoio logístico destinada a garantir o aprestamento dos meios de defesa durante todo o seu ciclo de vida útil;
g) a infra-estrutura de comercialização de produtos de defesa, que tem como finalidade promover e apoiar as exportações desses produtos para finalidades econômicas e politicas;
h) A infra-estrutura de gestão da aquisição, inovação e desenvolvimento de sistemas e produtos de defesa e da própria sustentação da BLD;
i) o arcabouço regulatório e legal da BLD, que ordena a BLD e dá ao Estado a possibilidade de empreender ações para a sua sustentação e desenvolvimento.
Ao contrário do que muitos pensam, a manutenção de uma indústria de defesa não se justifica por razões econômicas. A BLD é um instrumento da defesa tão ou mais importante do que as próprias Forças Armadas. A justificativa para a sua existência é a mesma dada para a manutenção das FFAA. Ambas decorrem de uma necessidade estratégica.
Do ponto de vista de desenvolvimento econômico e social, a BLD, apesar de sua finalidade precípua não ser essa (isso tem que ser sempre ressaltado!!), também é instrumento importantíssimo de política industrial, por vários motivos:
a) atua no limiar do desenvolvimento tecnológico;
b) políticas industriais de conteúdo nacional para defesa são necessárias por questões de garantia de suprimento de itens críticos (que são cerceados pelos países que detêm essas tecnologias) e não oneram a economia como um todo, como no caso das políticas pretéritas de informática e recente de conteúdo nacional para a indústria de petróleo, porque todo o custo é bem definido e está encapsulado no orçamento de defesa.
c) a capacitação industrial construída tem uso dual (vide exemplo da Embraer que, após décadas procurando se capacitar com produtos de uso militar, conseguiu desenvolver jatos comerciais e ser importante ator no mercado internacional de produtos civis). Esse pode ser um dos principais benefícios da escolha do Gripen – a ampliação da capacitação industrial e tecnológica, não só da Embraer, mas de muitas empresas de sua cadeia produtiva, em produtos cuja tecnologia o Brasil ainda não domina.
No Brasil existe um desequilíbrio histórico entre a consolidação e sustentação das FFAA e da BLD, com claro prejuízo desta. A Estratégia Nacional de Defesa define, muito apropriadamente, que a construção e sustentação de uma indústria de defesa adequada às necessidades brasileiras é um dos seus eixos fundamentais. Vamos, portanto, esperar que essa decisão represente um ponto de inflexão nessa postura.
Finalmente, No dia 29/01/2014 O Portal DEFESANET em parceria com o jornal O Globo, promoveu debate pela internet com a participação do Major-Brigadeiro do Ar Carlos Baptista Jr e do Brigadeiro-do-Ar José Augusto Crepaldi Affonso, para discutir os critérios da FAB que motivaram a decisão e os próximos passos do Programa FX-2.
DefesaNET e O Globo
A Escolha do ca;a Grippen para o Programa FX-2
O vídeo da entrevista com o Major-Brigadeiro do Ar Carlos Baptista Jr e o Brigadeiro-do-Ar José Augusto Crepaldi Affonso, organizada pela DEFESANET e o Jornal O Globo poderá ser visualizado no link abaixo.
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=sFINdXaia8c